Amei o desenho que fiz de ti
Ontem recebi-me de volta.
Porque a minha alma me foi devolvida.
Morada inexistente, dizia o aviso.
E com a minha alma comigo, fui pela última vez até à areia onde fizemos o nosso primeiro nós.
Naquele dia que dizes que confundo sempre, mas que nunca sai de mim.
E que impiedosamente se encosta a todos os outros dias do ano. De todos os anos.
Fui até lá e despedi-me de nós.
Despedi-me de nós.
Despedi-me de nós.
Porque é que por mais que insista, isto me parece mentira?
E um som muito fino ao longe acompanha o meu pensamento
Sinto-me assim
Um vidro com medo de partir
Uma lágrima pronta a ser chorada
Só uma metade de mim a sorrir
Sinto-me assim
Débil
Uma alma esgotada
Uma menina pequena enamorada
Um corpo que se deixa cair
Sinto-me ténue
Sinto-me tua
Não me expulses de mim.
Aromia Moschata, da família das Longhorn Beetles
Tirei o Sábado para ir com o Lobo Antunes até à Riviera – a minha praia. Estava um calor daqueles que nos obriga a estar sempre a rodar tipo espeto na brasa. Tirei o carocha da garagem e fui a vinte à hora até à praia. No bar da Riviera comecei a ser causticada por pintas pretas em todo o corpo que depois de analisadas atentamente por mim, se transformaram em insectos pretos e peludos. Não me considero uma miúda da cidade mas quem me conhece sabe também que não sou um bicho do mato, por isso apercebi-me que o melhor para mim e para os bichos era um de nós mudar de lugar. Eles não se sentiram incomodados comigo, por isso, respeitei o ditado popular e mudei-me. Peguei na mochila, na toalha amarela e no Lobo Antunes e fui para a areia terminar de comer o hambúrguer com batatas fritas. Saudável, sentei-me na toalha e em poucos segundos a toalha ficou preta com as mil patas de cada insecto. Enojada, sacudi-me e despi-me, como se estivesse atrasada para nascer, e nos meus mil-pés fui a correr para o mar. Mergulhei, nadei debaixo de água e vim à tona no local errado. Ia esbarrando com um cachalote. Tinha uma boca com dentes numerosos e bem desenvolvidos na maxila inferior e poucos ou nenhuns na superior. Quando voltei à toalha, já não havia hambúrguer para ninguém, já tinha deliciado os animais invertebrados da classe insecta, essa família com membros versáteis e diversificados, que quando reunida são mais do que todos os outros grupos de animais juntos. Para onde quer que olhasse no meu corpo via esses energúmenos superorganismos. Assemelhei-me a uma estância balnear no Algarve em pleno Agosto. Resolvi saltar do barco e mudar-me outra vez. A toalha, antes amarela, abandonei-a à sua sorte. Disse-lhe, Vira-te. E fugi para o estacionamento de terra, a perguntar-me se os bichos existiriam mesmo ou se seriam proveito da minha imaginação maléfica, porque mais ninguém parecia dar conta dos pontos pretos voadores. Depois de ter dado umas moedas ao velhote que nos costuma habilmente ajudar a encontrar um lugar perfeitamente visível, não resisti, olhei para todos os lados e vendo-me sozinha, decidi-me e perguntei-lhe, como quem não tem muito interesse na resposta nem duvida se estará a alucinar, Diga-me uma coisa, consegue ver estes bichinhos aqui? E ele tranquilizou-me quando disse, São insectos minha menina, não se preocupe, são só insectos. É do calor, é do calor. Ainda estou para perceber porque é que a partir de uma certa idade nos tornamos repetitivos. Será surdez ou amnésia? Será surdez ou amnésia?
Estive uns quantos minutos a sacudir-me agressivamente, e entrei no carocha. Fui para a praia do Castelo, cujo nome me faz sentir estupidamente segura. Trouxe o Lobo Antunes perto do peito, e levei a toalha vermelha que trago sempre no carro, qual pneu sobresselente. Na praia, deitei-me, levantei-me e fui novamente a correr para a água. Estive duas horas seguidas em pé na água, a tremelicar, e a sacudir-me dos insectos que pareciam confundir-me com mel. Ainda levei um ou outro piropo primário dos banhistas, cujos camiões estavam mal estacionados perto da praia, e que me disseram por duas vezes, pecando na originalidade, Sabe, é que a menina deve ser muito doce. Contrariamente ao que se espera de uma praia com o nome de Praia do Castelo, não vi príncipes encantados, só sapos com verrugas e novamente uns quantos cachalotes com fios de ouro pendurados ao pescoço e tatuagens a louvar as mães facilmente confundíveis com nódoas negras. Não vi príncipes, vi apenas um rapaz a ler a Bola, outro a ver a Maxmen, um homem a rodar o piercing do mamilo. Do dele, vá lá. Vi uma cachalote femea e velha a fazer topless de fio dental harmoniosamente bem escondido entre as peles. Um rapaz de uns 20 e poucos anos a ser barrado com creme protector nas costas, nos braços, na cara e no peito, pelo pai. Vi de tudo, só não vi um único príncipe. O Lobo Antunes também não ficou muito contente com o dia de praia na Caparica, porque eu tinha lhe dito que estaria horas deitada, com o meu biquíni vermelho a comer com ele os bolinhos que acabei por não levar à minha avó, lendo-o de um lado ao outro, e o coitado do Antunes acabou por passar o tempo todo na areia, sozinho e varrido pelo vento, pela areia e pelos insectos.
Respiramos 24 mil vezes por dia
Sento-me num espacinho e cruzo as pernas. Penso se posso mantê-las assim, porque isso equivale a revelar as meias, e nem sempre as meias combinam com o resto da roupa. Descruzo as pernas, junto os joelhos e apoio os pés nas pontas dos dedos, guardados e amolgados dentro dos ténis. Senta-se uma senhora de uns 60 e poucos anos, mais ruga menos ruga, encharcada em perfume barato que escorre em gotas rechonchudas pelo colo. Sigo com os faróis dos meus olhos as lágrimas perfumadas que descem timidamente por entre os sulcos, e que acabam por manchar o decote em V da camisa preta com letras prateadas. Tento não respirar. Começo a pensar que esta mulher do decote e todas as mulheres e homens deste país que se sentam perto de mim, estão profundamente comprometidos na senda de poupar água. Para compensar, abusam dos frascos rumo à overdose. À minha overdose.
Vejo o metro como uma loja de perfumes. Sou constantemente canhoneada por cheiros que se misturam, provocando um efeito ainda mais derrubador. Inalo e exalo cada vez menos do ar conturbadamente perfumado e no intervalo automático descanso um pouco, para depois ser repetidamente atacada pelos perfumes que não são bem vindos. Maldigo a minha sorte. Difamo o metro. O início do dia. Quero morder as pessoas que usam perfumes. Apedrejo tudo.
Amuada, fecho os olhos e deixo de respirar. Escondo-me nesta cegueira imposta por mim, para folgar e abstrair-me de todos os olfactos e movimentos. De mal com a vida e com vontade de matar a velha, refugio-me no escuro até os meus pensamentos serem calados por sete batidas fortes em staccato. As sete pancadas sucessivas parecem aproximar-se e passo a ouvir a voz que as acompanha e que me faz abrir os olhos. Tenha a bondade de me auxiliar, por favor. – Diz o homem de óculos escuros, que lhe escurecem a paisagem sempre escura, com o braço esticado para a frente e a cabeça inclinada para trás, agarrando com a mão direita a bengala que o conduz.
Voltam as sete pancadas no chão, e eu sinto-me tão pequena que parece que caibo na palma da minha mão.
Ressaca de ti
Aquele copo ali na mesa que enche e se esgota em ti.
Gosto dele.
Bebe-me mais um pouco.
Aquele teu andar que encurta as distâncias e te faz misturar o teu lugar com o meu.
Gosto dele.
Bebe-me mais um pouco.
Aquele teu braço que faz a tua mão aproximar-se dele e aproxima a tua boca de mim.
Gosto dele.
Bebe-me mais um pouco nesse arriscado copo.
Bendita assombrosa lucidez do álcool.
Que te faz querer-me como eu te quero em água.
Uma cereja, duas cerejas
A propósito do eterno retorno, deixem-me ainda contar-vos uma coisa. Antes disso, quero esclarecer-vos. Esta imagem, infelizmente, foi roubada a um banco de imagens.
Ontem, recebemos gentilmente do presidente, administrador e um dos accionistas da agência onde trabalho, uma caixa de madeira cheia, sobrecarregada de cerejas. Eu nunca tinha provado uma na vida. Não porque nunca me tivessem oferecido, mas porque eu dizia rapidamente: Não, obrigada, só gosto de uvas. E não, nunca tinha provado. O Paulo, director estratégico e amigo, obrigou-me a provar uma. Obrigou-me mesmo. A princípio a minha cara distorceu-se ferozmente, os olhos trocaram de lugar e a boca sofreu um espasmo interessante, mas como disse Fernando Pessoa a propósito da Coca-Cola (isto é quase uma obsessão), primeiro estranha-se, depois entranha-se. Lá gostei da cereja.
A caminho de casa, levava pelo Chiado a caixa com as cerejas quando ouvi um polícia a comentar que já era a terceira pessoa que via a descer a rua com cerejas e que devíamos estar a comprar em algum lado. Não resisti e satisfiz-lhe a curiosidade: deram-nos no trabalho, foram oferta. – E dei cabo da minha vida quando, sendo mais forte que eu, lhe disse: Quer uma? – Ele aceitou e agradeceu. Eu afastei-me e ouvi-o a comentar para o amigo, que era diabético e por isso recusou a cereja: A terceira pessoa a descer com cerejas, mas a primeira a oferecer. Simpática a miúda.
Ouviram coleguinhas?
Pois é, entrei num caminho sem saída. Depois de ter oferecido a primeira cereja e vendo-me com uma caixa cheia delas, comecei a sentir a pavorosa vontade de oferecer a toda a gente. Dei umas quantas ao senhor que está perto do metro a pedir, todos os dias de manhã e às vezes a esta hora. Depois, estava parada já dentro da estação da Baixa-Chiado (estação terminal, façam o favor de abandonar a carruagem), quando um rapaz começou a babar-se, também compulsivamente, a olhar para a minha caixa de cerejas. Eu, sem me conseguir conter mais uma vez, ofereci-lhe uma. Ele não aceitou. Continuou a babar-se.
Entrei no metro. Sentei-me a um cantinho e foi a minha sorte porque só consegui oferecer cerejas a 7 pessoas com o meu: Querem uma cereja? Podem tirar à vontade. – A princípio pensaram que eu tinha perdido a noção da realidade (a realidade do não se dá nada a ninguém, só se vende). Depois, pensaram que eu era muito má e qual bruxa má sem maçãs, tinha envenenado cada cereja e por isso estava a oferecer com um sorriso tão aberto. E eu com os braços estendidos e a caixa a pesar-me cada vez mais. Até que me devem ter olhado para os meus cabelos e qual Rapunzel já lhes pareci doce, e aceitaram. O senhor que estava sentado ao meu lado tirou duas, e parecia não estar saciado. Eu fiquei contente, por ele se sentir à vontade para tirar mais, e quando, nas Laranjeiras (era fixe se tivesse saído nas cerejeiras) ele se levantou das cadeiras cómodas do metro português e se preparava para ir embora, disse-me em voz baixa: Deus a abençoe pela sua liberalidade.
Quando cheguei a casa fui a correr para o dicionário. Liberalidade: s. f., qualidade do que é liberal; generosidade. Fui pesquisar o significado de liberal. Liberal: do Lat. Liberale, adj. 2 gén., próprio de homem livre; franco, generoso, amigo de dar. Sim, gostei. Sou uma cherry. ;)
Diz o ditado popular que as palavras, ou as conversas são como as cerejas: vêm umas atrás das outras. É bem verdade. Senti-me compelida a dar umas atrás de outras. Juro que tentei controlar-me. Mas não somos todos, um pouco ou muito, obsessivos-compulsivos?
A Lei do Eterno Retorno
E se um dia ou uma noite se alguém se esgueirasse na tua mais solitária solidão e te dissesse: Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes. E não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande na tua vida há de retornar a ti, e tudo na mesma ordem e sequência.
(Nietzsche, sobre o eterno retorno)
Hoje lembrei-me do eterno retorno. E porque nenhuma das leis da sabedoria oculta é mais mal interpretada do que a lei do Eterno Retorno, achei que devia lançar o tema aos crocodilos. Tão feio, Sofia, chamar os teus leitores de crocodilos. Achei então que devia lançar o tema aos meus queridos leitores. Muito melhor.
Podemos cair no erro de pensar que a lei do eterno retorno significa que os mesmos eventos regressam no tempo, ou que se ficam a repetir eternamente, indefinidamente. Não.
Significa que a eternidade abarca o tempo, e o passado todo e o futuro todo estão contidos no momento eterno. No agora. E por isso, torna-se natural que os padrões das coisas passadas se mostrem no presente, ciclicamente. Os padrões, não os acontecimentos. E frequentemente as personagens trocam de lado, por exemplo, se uma dada altura os romanos invadiram os países bárbaros, noutra altura fora invadidos pelos bárbaros visigodos, experimentando o mesmo tipo de terror, quando foram saqueados e assassinados. Experimentam os mesmos efeitos das acções que produziram noutros.
E onde isto vai parar, dilectos amigos? À lei de ouro comum a todas as religiões, mas praticamente nunca respeitada: Não faças aos outros o que não queres que te façam. Porque todas as energias que libertarmos voltam para nós como um boomerang. Vermelho, porque é a minha cor preferida. Na verdade, todas essas leis fundamentais do universo estão interligadas, para mim. A lei do Karma, dos Ciclos, por exemplo.
O que se passa é que, nesta visão, cada pessoa traz gravado em si, tudo o que fez e o que deixou de fazer no passado, todas as alegrias e sofrimentos passados, que se mesclam com o futuro. O que forma o presente é a maneira como o passado se desdobra e produz eventos. E ao extremo, podemos dizer que conseguimos alterar o passado. A maneira como reagimos ao passado, e o que aprendemos com ele faz com que possamos alterá-lo. Não os factos, mas os padrões. Não podemos mudar os factos passados, lógicamente, nem podemos impedir que os padrões do passado voltem e afectem nosso presente. Mas como o passado está contido no presente eterno, ao mudar o presente, estamos a acrescentar algo novo a este passado e então, de alguma forma, mudamos o passado, ao modificarmos esses padrões no presente. Ao fazermos isso, mudamos também o futuro. Grande mistura de livre arbítrio e determinismo, não? ;)
Nem cedo, nem tarde
Depois de encharcar a areia e tomar conta da praia, a onda recolhe-se.
É esta a hora. Interminável hora.
Que atira para longe o que está tão perto.
O mar faz-me sempre sorrir por nada.
Sentimos a tua falta, Júlia
Demoramos 9 meses para nascer, e morremos num minuto.
Sentir borboletas no estomago, é tão bom
As pessoas que se fecham às 24 chaves, incomodam-me.
Sorrir a 180 graus, é tão bom.
Diz-me porque te prendes tu a uma balança?
A uma lista de prós e contras?
Porque é que calculas tudo, ao mais último detalhe?
E calas o teu coração, quando ele é o único a dizer-te o que te faz feliz?
Os teimosos incomodam-me. Os que não querem ver. Os que optam por dormir sobre o assunto. Os que tentam adiar. Os que escolhem não crescer. Os que têm medo de se magoar. Os que não se descontrolam. Os que preferem perder do que arriscar.
Incomodam-me os que preferem as qualidades do método romano contra o calor. Sim, acho que é isto. Os que preferem manter a casa fechada contra o calor de Agosto para que o ar vivo e quente da rua não entre. E que só abrem as portas de par em par à noite, para entrarem os ventos.
E depois, o que fazes se um dia parar a ventania?
Quero-te
Sentada naquele banco alto que parecia que me ia deixar cair, disse-te numa noite: consigo tudo o que quero.
Tu sorriste e mostraste-me bem o quanto eu estava enganada.
E eu caí.
Sentado na primeira fila do teatro
Observas as minhas lágrimas em palco.
Não te posso tocar
O teu corpo é um instrumento inútil.
E eu lembro-me bem
de nós no futuro.
Efeitos secundários
Colapso temporário.
Alucinações, ilusões e sensações de paranóia.
Psicose tóxica.
Confusão de pensamentos.
Falta de memória.
Sintomas de ansiedade.
Depressão.
Ataques de pânico.
Aumento e diminuição da pressão arterial.
Bronquite, asma e outros problemas respiratórios.
Sensibilidade à luz.
Apatia.
Aumento da frequência cardíaca.
Doenças pulmonares.
Nos homens, diminuição de testosterona e inibição irreversível da espermatogénese.
Nas mulheres, a supressão da LH plasmática que pode originar ciclos anovulatórios.
Problemas cardíacos.
Impotência.
Se a pessoa sofre de problemas psicológicos, os sintomas agravam-se.
Esquizofrenias e outras psicoses podem ser desenvolvidas, se estiverem latentes ou se existir um antecedente na família.
Os efeitos da cannabis surgem repentinamente, variando consoante as doses, da potência e do grau de pureza da droga, da personalidade, da sensibilidade do consumidor, da expectativa em relação ao consumo, da maneira como é consumida, do humor do consumidor e das experiências anteriores. E da sorte de cada um.
Ainda não são completamente conhecidas as consequências que a cannabis pode ter para a saúde. Em certos casos, ainda que raros, uma dose pequena pode desencadear efeitos normalmente obtidos com altas doses. É esse o problema. Nunca se sabe o que pode acontecer. Podemos fumar uma ou outra de vez em quando e passarmos a sofrer de uma coisa grave, como esquizofrenia, e pensarmos que todos nos querem matar, ou podemos fumar umas todos os dias e ficarmos apenas com memória de peixe.
Não quero fazer papel de retrógrada ou de menina do coro. Aliás, não quero fazer papel nenhum nem enrolar ninguém nem nada. ;) Foi apenas um desabafo. A maioria dos meus amigos fuma de vez em quando, ou já experimentou. Cada um sabe de si, faz o que quer e todos sabemos o que andamos cá a fazer. Normalmente, as coisas não correm mal, mas estamos num campo imprevisível. Minado. Nunca se sabe se nos vai deixar amputados.
Cannabis, cannabis aos molhos, por causa de ti choram os meus olhos.
Um conhecido disse-me uma vez que eu era medricas. Eu sei que não sou. Disse-me ainda que eu estava a desperdiçar a minha vida ao não experimentar determinadas sensações ou estágios aos quais só chegaria desta maneira. Mas por tudo isto que escrevi aqui, e por tudo o que tenho vindo a ler desde que me informei pela primeira vez, é que apesar da normal curiosidade, nunca experimentei. Não gosto de chorar por parvoíces.
E desculpem lá a overdose de posts sobre este tema. :)
Muitos beijos.
Super-homem estúpido
Não conheço bem este rapaz. Foi-me apresentado depois de um jantar de turma. Uns meses depois vi-o perto do bar da minha discoteca preferida. Eu estava à espera da minha Coca-Cola e ele à espera de uma dose de cocaína.
As noites dele são passadas a vaguear nos bares e nas discotecas, de casa de banho em casa de banho, para dar um risco, como ele diz. Sente-se mais seguro de si, vê-se como uma pessoa sumamente competente e capaz. Sente-se num estado permanente de euforia e bem estar. Mas isso é o que se passa na banda desenhada dele. Porque a realidade é o que todas as outras pessoas observam. No Sábado passado vi-o a andar na rua, muito divertido, a rir-se e a falar. Sozinho. Anda de bicicleta no meio da rua, alcoolizado e drogado. Umas vezes cai, e às vezes adormece na rua. Ainda nenhum carro lhe passou por cima.
Todos nós temos os nossos problemas. Por vezes muito graves. Mas não adianta varrer o lixo para debaixo do tapete, fechar os olhos e procurar nos cogumelos, no LSD, no MDMA e nas substâncias afins o efeito mágico que faça desaparecer todas as preocupações. Os efeitos das substâncias não podem ser previstos. E a verdade é que nada desaparece, as substâncias não resolvem nada, só desencadeiam mais dificuldades, e as pessoas afastam-se cada vez mais da realidade.
Entram num barco para irem visitar aquela ilha bonita. Curtir um bocado da vida que dizem ser dois dias. Depois não conseguem voltar. Ficam lá, naquela ilha que afinal não existia.
E depois a vida acaba num destes dias.
E eu lamento.
No escuro vou deixar de te ver
Quando nos encontramos no 202, é sempre tão cedo ou tão tarde que somos como dois evadidos que se descobrem na noite fugitiva.
Subimos para o nosso esconderijo e tu roubas-me as roupas. E com elas vai errante o músculo que bate ansioso por ti em mim.
Deitada ao teu lado, o meu corpo é a extensão do teu. E pela janela semi-aberta vejo os ramos das árvores pouco nítidos contra a cor do céu. Contra a cor da tua cama.
Deixas-me o corpo dorido.
E descubro que nos teus lábios é o sabor da dor que me atrai.
Extrais-me o sangue em movimentos ritmados e roubas-me o corpo num assalto desigual.
Eu roubo-te as roupas. Tu roubas-me a alma.
Ladrão.
Fechaste-te em mim e fugiste.
Foges de mim ou de ti?
Já me despedi
Já me despedi, sem teres olhado para mim.
Já te disse adeus, sem me teres ouvido.
Já me exilei, sem te teres apercebido.
Já falei com o meu coração, para acalmá-lo.
Já tentei sossegá-lo.
Já lhe disse que ele deu o seu melhor, e nem sempre se ganha.
Já lhe disse que ele não podia fazer nada, senão aceitar o que não consegue mudar.
Já lhe disse que deixasse ao sabor do vento, da corrente, de qualquer outra coisa.
Já lhe disse que tudo acontece por uma razão, e é sempre para o nosso bem.
Já lhe disse que não se deve angustiar nem se fechar, ainda que assim lhe parecesse mais fácil.
Já lhe disse que ele é feito de ouro e que o ouro não se parte.
Já lhe disse para não se precipitar, para não se adiantar. Nem se deixar atrasar.
Já lhe disse para não se deixar entusiasmar, não se voltar a dar, mas isso também é errado.
Já lhe disse para continuar a amar, mesmo que volte a sofrer. Porque ele não sabe viver de outra maneira.
Já achei que estava certa no que lhe disse.
Já achei que era errado dizer-lhe aquilo.
Já lhe disse principalmente para não chorar.
Já lhe disse que o mundo é todo feito de amor, e que a ele caberá também uma parte.
Já lhe disse que tenho a certeza, daqui a um tempo ele vai ser correspondido.
Já lhe disse para esperar.
Já lhe disse tanta coisa, e não o consigo convencer.
Ele gosta de ti. Pouco mais posso fazer.
Finalmente
Não gosto de adeus em comboios que partem.
Não gosto de cartas para serem lidas só depois da outra pessoa apanhar o avião para um lado qualquer.
Não gosto dos finais dos livros quando a estória se esgota nas últimas páginas.
Não gosto dos créditos finais dos filmes.
Não gosto das últimas palavras ao telefone.
Não gosto da palavra fim escrita em parte alguma.
Não gosto de fins.
Finalmente, gosto de pensar que todos os fins são reinícios.