3.31.2006

Todos os dias, a caminho do meu trabalho


Se eu soubesse desenhar faria a caricatura de um trolha. Ele teria uma barriga grande com uma camisa desabotoada em cima e em baixo. Ver-se-iam os pelos que se revelariam escuros e grossos, e na barriga desenhariam um fio que à medida que descia engrossava, até que felizmente se escondia nas calças Jeans sujas de tinta branca e pó. Ele teria uns olhos raiados de sangue, esbugalhados, uma boca enorme, cheia de dentes grandes e separados, um palito num dos cantos da boca e uma língua castanha e caída de lado. Permanentemente diria frases bonitas e elegantes como: Se fosses um pão barrava-te com marmelada. Ou: Ai, coisa rica do pai. Ou ainda: Contigo casava-me todo. Sim, porque podia casar-se só em parte.

De repente saltou-me uma dúvida. Para exercer a profissão de trolha, será um dos pré-requisitos o ser-se rebarbado-tarado-inconveniente?

Papelada:
Pergunta: Sr. Manuel, tem a primeira classe completa?
a) Sim, tenho.
b) Não, não tenho.
c) Talvez tenha, talvez não tenha. Mas sou violento e falo alto.
Pergunta: E Sr. Manuel, quando passa por si um rabo-de-saia, o que faz?
a) Não olho, estou perdido nos seus pensamentos.
b) Olho por uns segundos e desvio o olhar.
c) Olha, babo-me e grito desvairadamente: Comia-te toda.
Se seleccionou as alíneas C em ambas (nas duas) perguntas, deixe o seu número de presidiário, o nome do estabelecimento prisional onde reside, e nós entraremos em contacto consigo.

Ou será que desenvolvem esta brilhante faceta depois de iniciarem o trabalho. Será contagioso? Onde terá sido iniciado esse conhecido ritual?
Sem desfazer a profissão, que é digna, apenas manchada pelas bocas incessantes, repetitivas e de mau gosto que eu e todas as mulheres ouvem todos os dias, acompanhadas de olhares perniciosos e tentativas de tocarem no meu cabelo.
As raparigas que nunca receberam uma boca-suja deste tipo, se quiserem muito, tentem ir comer um gelado de chocolate sem colher perto de uma obra. Não falha.
Acho que vou fazer um estudo sociológico sobre isto e depois defender a tese. Já volto.

3.27.2006

Hoje acordei com saudades de Salvador



E por isso, convenientemente e a pedido de mais de metade das famílias de Portugal, vou falar um pouco de mim e da cidade que me viu chorar pela primeira vez, quando nasci. Dei cabo dos ouvidos dos médicos no dia 22 de Novembro do belíssimo ano de 1981, na Maternidade de Iperba, no distrito de Brotas e vivi dois anos na Pituba, que é um bairro residencial que garante grande independência porque tem tudo, inclusive o maior centro comercial de Salvador, o Iguatemi. Salvador é a capital do Estado da Bahia. É a terceira cidade mais populosa do Brasil, depois de São Paulo e do Rio de Janeiro, e é o quinto centro urbano do pais. Entre os pontos turísticos mais conhecidos, estes são os que aconselho a gritar que visitem: o Mercado Modelo, o Elevador Lacerda, o Pelourinho, a Igreja do Senhor do Bonfim, o Farol da Barra, o Parque das Dunas onde podemos tomar banho na Lagoa do Abaeté, a Ponta de Humaitá, o Farol de Itapua, o Alto da Ondina, a Marinha da Penha, o sorvete da Ribeira, e todos os outros lugares como Vilas do Atlântico, um bairro de Lauro de Freitas, perto de Salvador, encostado à mais linda praia do litoral norte de Salvador, a Praia de Vilas.
E quem é que não liga Carnaval a Salvador? Além da tradicional festa na rua, é comum o uso de trios eléctricos, gigantescos carros de com que varrem as ruas da cidade durante vários dias com os mais conhecidos artistas brasileiros como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Daniela Mercuri, Chiclete com Banana, Olodum e muitos mais. A música que surgiu destas festas chama-se Axé e é campeão de popularidade no Brasil. A palavra Axé está ligada a energia, poder, força da natureza e poder de realização através de forças sobrenaturais. Por isso tenham muito cuidado comigo, porque eu sou de Salvador. A música Axé foi criada nos anos 80, muitos críticos de música apontam para o ano de 81 e alguns fazem mesmo a ligação entre o meu nascimento e o nascimento do Axé. Deste movimento musical surgiram vários ritmos e entre os mais conhecidos está o Samba Reggae que vem dos grupos afro-brasileiros Olodum, Muzenza e Araketu. Tem origem no candomblé, uma religião também afro-brasileira mas sobre a influência do Frevo, o Rock, do Reggae e de ritmos latinos como a Salsa, o Merengue e o Bolero. Os rituais e as festas do Candomblé são parte integrante da cultura e uma parte do folclore brasileiro. O Carnaval da Bahia é o maior do mundo e Salvador é cantada em prova e em verso por muitos cantores brasileiros e estrangeiros. Porque será? Como diz o Caetano, numa música, atrás do trio eléctrico só não vai quem já morreu.

3.23.2006

Um vendaval para a mesa dois


Vento
Que respiras no vazio do penhasco
Queria que me arrancasses daqui
Que me ceifasses daqui
Que me desenraizasses de mim.

Vento
Que expeles no retiro do penhasco
Queria que me levasses daqui
Que me desapegasses daqui
Que me protegesses de mim.

Vento
Queria que entrasses no meu pensamento
E sumisses as palavras daqui
Queria que me arrebatasses, enfim.
Traz-me uma coca-cola.

Há pessoas assim

Relógio repetitivo, só dizes tique e taque.
Nunca tens um ataque?

Terás alma?


És uma árvore verde e tens ramos e folhas
Mas estás aí parada.
E por muito que vejas o céu e mo digas,
Digo-te que não vês o mundo, porque não amas.

Fazes-me ver-te do chão

E por isso me pareces tão grande.

3.20.2006

Ouves-me?

Move-te
Faz alguma coisa
Como a água da chuva que ansiosa se precipita
As minhas palavras correm e juntam-se ao rio
E passam por ti sem te regarem
Mas como posso eu pedir que tenhas consciência
Quando não passas de uma bela estátua grega e fria?
Pensar-te é o meu defeito

Move-te
Faz alguma coisa
Imobilidade mórbida de um desmembramento insano
Receber-te em mim é a minha sede
Fixo o olhar em ti e resolvo deixar de respirar
Para me concentrar em ti
Mesmo morta
Olhar-te é o meu vício

Move-te
Faz alguma coisa
No canto do nosso quarto erguem-se pirâmides
A terra rasga-se e elas crescem intrometidas
Desvio-me delas pontiagudas para tentar manter-te sob a minha égide
Neste espaço labiríntico que nos divide
Por entre os prantos os risos e os vícios do Egipto

Move-te
Faz alguma coisa
A mágoa chora na noite triste quando me lembram de ti
Esconjuro-te estátua, porque não ardes
E ao mesmo tempo não te ausentas de mim.
Erva daninha.
Que cresces quando já te pensava esquecida.

3.15.2006

Jazo-me sem ti

Os meus olhos habituaram-se à escuridão.
Já nem sei se estou triste ou não.

3.14.2006

Umas vezes tocas-me. Outras vezes não


O teu amor por mim senta-se num baloiço.
Parece que sim. Parece que não.
Atiras-me areia para os olhos.
Parece que sim. Parece que não.
Oiço o ranger do baloiço.
Parece que sim. Parece que não.
A tua mão estende-se para mim.
Parece que sim. Parece que não.
Oiço o som da tua voz.
Parece que sim. Parece que não.
Tropeço em ti. Caio em mim.

E se nos cansarmos do mesmo lugar?

Põe a tua mão no meu cabelo e brinca com ele. Não desejo mais nada.
Mas vai alterando os movimentos, senão começas a fazer parte de mim e deixo de te sentir. Passas a ser eu, e eu não me amo.

Tira a mão daí

Quando tapas o sol com a tua mão, não foi o sol que deixou de brilhar.

Um dia, sim. Um dia

Hoje aconteceu-me uma coisa curiosa.
Esqueci-me que um dia todos morremos.

Nunca me olhaste nos olhos

Por isso, se olhei para ti nunca viste.

Sombra amarela


Não tenho medo de ti, sombra. És minha.
Apesar de por vezes te adiantares a mim, sou eu que te comando.

3.13.2006

Porque calculas o amor

E quando fazes isso, todas as contas vão dar erradas.

E o tempo passa também por ti

Porque não és um herói de banda desenhada. Pelo menos não daqueles com capa.

3.09.2006

Gosto tanto de ti que não sei como te desejar

Porque tudo o resto não existe
Embala a tua mão no meu corpo
Deixa-a adormecer em mim.

E se te cansas em mim
Também eu descanso em ti
Sossegadamente a vida passa.

Sou escrava de ti, Amor
E por isso me sinto livre.