Espere um momento
Espere um momento, encha-me o copo de Coca-Cola e deixe-me tirar a rodela de limão e colocá-la a seguir na sua bandeja que não tem. Sabe como é, tenho 23 anos, dois filhos de colo, e não estou habituada a voar assim. Se puder, diga também às mulheres e crianças que se amontoam neste voo sobrelotado, que deixem de chorar e de gritar, que não estou acostumada a coisas destas. Traga também uns brinquedos para os meus filhos se entreterem. Não lhes consigo explicar porque é que tivemos de partir tão depressa, como se tivéssemos feito algo de muito errado, e sem o pai deles. Já que é tão amável, podia trazer-me uma almofada para a minha avó descansar a cabeça? Ela tem 90 anos e já lhe falta uma perna. E se não for pedir muito, diga ao piloto para voltar para Angola. Sim, porque se eu soubesse que ontem à tarde seria a última vez que eu iria ver o céu cor-de-rosa do Lobito ter-me-ia demorado ainda mais a observar a zona dos mangais e das salinas da cidade verde do Lobito. Tinha ouvido com mais atenção o som das chaminés dos navios que atracavam no porto e o sol das asas dos flamingos, que ecoavam como se sacudissem o pó da cidade com carinho. Ou tinha passado noites e noites acordada só para ouvir o barulho das vassouras, cadenciado, quando as ruas eram varridas e lavadas. Se eu soubesse que tinha de partir, tinha ido mais uma vez ao Hotel Maiombe, para pedir a Coca-Cola com gelo que a senhora agora não tem para me oferecer, porque sei, sim entendo que este voo é de refugiados, de portugueses de segunda, e portugueses de segunda não têm sede nem podem ter vontade de beber um refrigerante. Entendo. Se eu soubesse que hoje seria a última vez que ia pisar na minha Terra, tinha voltado a andar descalça pela cidade ou apanhado mais um Bulama para ir de casa até à praia. Se eu desconfiasse, tinha dançado ao fim-de-semana com o batuque da senzalas em Cabinda. E apreciado mais longamente os poços de petróleo distribuídos pelo alto mar, qual archotes espalhados. Pequenas fogueiras ao longe, que decoravam e iluminavam essa massa de água no escuro. Espere um momento, encha-me o copo de Coca-Cola e deixe-me tirar a rodela de limão e colocá-la a seguir na sua bandeja que não tem. E quando eu levar à boca o copo de água, que me saiba a Coca-Cola.
3 Comments:
que se passará por aqui, pergunto.
E viva a coca-cola!
cada vez que dou aqui um pulinho acredito mais, alem de uma cabeca loira que outrora tivemos em comum, a tua historia tem tanta coisa da minha...espero q estejas bem...afinal a coca cola ta sempre ai, a um golo, nem q seja de agua.
beijos querida ***joana (mipuravida.blogspot.com)remember?
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