6.26.2010

Ó Sr. Zé


Fogos em Portugal já consumiram o equivalente a 68 mil campos de futebol. Esta é uma das manchetes de um jornal que sabe muito bem quem é o seu leitor: o Sr. Zé, adepto de futebol. E os anos vão passando e o Sr. Zé preocupa-se cada vez mais com o futebol e cada vez menos com o que se passa no país. Ou pelo menos, assim parece. Mas também, se o jornalista tivesse escrito que em Portugal já arderam mais de 68.000 hectares, o comum leitor não teria conseguido percepcionar o prejuízo. Isto, em parte porque para o Sr. Zé se torna difícil imaginar uma número com tantos algarismos (o seu ordenado só tem dois zeros). E sem saber quanto de Portugal teria ardido, insatisfeito, provavelmente teria passado para o artigo da professora que faz um bico no bordel da esquina. Para dizer a triste verdade, muito provavelmente terá sido esta notícia que terá feito o Sr. Zé comprar o jornal. E o Sr. Zé não é mais do que o Zé Povinho já nosso conhecido, de camisa branca e chapéu preto, tal como nos foi apresentado pela mão de Bordalo Pinheiro, em 1875, na Lanterna Mágica, onde o nosso Sr. Zé aparecia, ajoelhado pela carga dos impostos e ignorante das grandes questões do país. Pois é, o problema dos impostos continua, e nós continuamos ignorantemente ajoelhados, mas essa caricatura que se tornou identificativa do nosso povo agora carrega um cachecol ao pescoço e há cada vez mais várias versões dele. Só para mencionar algumas, temos o Sr. Zé Povinho Benfiquista, o Sr. Zé Povinho adepto do Porto, e o Sr. Zé Povinho do Sporting. E chamei-o de Sr. Zé Povinho só para lhe dar alguma importância. Mas vou voltar ao problema dos fogos em Portugal, porque era sobre isso que eu queria escrever. Os fogos de Agosto, qual peça que passa sempre no mesmo teatro Tuga, com os mesmos protagonistas do ano anterior, e que invariavelmente nos apresenta o mesmo final. Todos os anos se fala da mesma falta de meios dos bombeiros, do facto de ninguém se ter lembrado de limpar as florestas, dos ventos que mudaram e pioraram a situação, do segundo helicóptero que não chegou a tempo, e apesar de ser tudo tão previsível, os incêndios de Agosto continuam a abrir os telejornais e ser capas de jornal. Mas agora o Sr. Zé Povinho coloca orgulhosamente o cachecol ao pescoço, e como o próprio Bordalo Pinheiro o definiu, olha para um lado e para o outro e fica como sempre, na mesma.