Control Alt Del
10.27.2005
Convencido!
Se podemos dizer 'Sou alto', 'Sou forte', também devíamos poder dizer 'Sou inteligente' sem que nos achem arrogantes.10.13.2005
Nua
O tempo pára quando te sinto deitado ao meu lado.Quando te sinto dentro de mim.
Isto não passa.
O tempo pára quando passo as mãos no teu cabelo
e entrelaço os meus pensamentos nos teus.
Quando oiço a tua voz.
Quando estou nua entrecruzada em ti.
E isto não passa.
O tempo pára quando os nossos corpos se agarram
como se fossem o último momento.
Quando perdemos os olhares um no outro.
Será que vejo tudo isto onde não há nada?
Mas porque me sinto tão tua,
e estou tão nua. De ti.
Pela Paz
Proclama-se perante o mundo que a religião não deve nunca tornar-se motivo de ou pretexto para a violência, para o conflito, para o ódio. Concordo. Se as religiões se reforçassem mutuamente na perseguição da verdade e do bem, poderíamos passar uma borracha na frase Um só Deus para tantos ódios. Mas os papas desencadearam as cruzadas contra os muçulmanos e a Inquisição contra os hereges. As nações cristãs perseguiram o povo deicida (os judeus) e converteram os povos através da política de missionários e canhoneiras, uma mistura de força armada e Espírito Santo. No entanto, não devemos, nem podemos, acusar os monoteístas de serem os únicos responsáveis pela guerra santa. As religiões politeístas, como o Hindu, que conseguiu criar o pacifista Gandhi e o brâmane que o assassinou, e como o Xintoísmo do Estado japonês, que nos apresentou os kamikazes, também apenas elas não podem ser responsabilizadas por todos os males da humanidade. Nenhuma religião tem o segredo da Paz, nem o monopólio do mal.Acredito que a única forma de lutar contra as guerras, alcunhadas de santas, está na educação do sentido de bem da humanidade. O importante seria alcançar a tolerância quanto às crenças alheias e o facto de cada religioso deve aceitar como os outros diferem de si. O que é, de resto, uma forma decisiva de as respeitar. As religiões concedem os recursos, os objectivos para uma vida válida, frutuosa e bem sucedida, mas não conseguem, nem é seu dever, garantir que as pessoas levem essa mesma vida. Cada um escolhe o seu credo, a sua vida. Mas o pior, e mais inconcebível ainda, é as pessoas usarem as religiões, em vez de delas desfrutarem. E usam-nas como armas para trazerem para si o poder prejudicando os outros. Olhando mais de perto, as religiões são um terreno fértil tanto para se crescer como indivíduo, como para o abuso de poder e para a subjugação do outro.
As pessoas religiosas deviam ser um recurso para o combate aos males que nos ameaçam. Então, porquê que isso não se passa? Em parte, porque cada religião tem os seus interesses próprios. São profundamente diferentes as narrativas que fazem do Universo, da natureza humana, dos objectivos de vida, de Deus ou de um poder superior, dos caminhos que levam à salvação, ou à perdição. Porém, a Regra de Ouro, muitas vezes esquecida até por quem as pratica, é enunciada no texto fundador de cada religião. Trata-se de uma declaração, resumida, do requisito fundamental para o comportamento humano: Tudo o que vós quereís que os homens vos façam, fazeí-lho também vós. Sendo esta uma obrigação crucial e comum a todas as religiões, porque andam estas implicadas nos piores conflitos do nosso mundo? E por que são alguns religiosos a contradição viva do que pregam ou dizem fazer?
Baseando-se na chamada Regra de Ouro, as pessoas religiosas podiam se encorajar mutuamente a atingir o melhor que as suas diferentes tradições exigem de si. Juntarem-se se no combate aos males que oprimem e que acabarão por nos destruir. Não poderão as religiões trabalhar em conjunto? Sei, no entanto, que mais de três quartos da população mundial acha que pertence a uma religião, por pouco ou nada que faça em relação a ela.
Brincando de jornalista
Só existe uma coisa mais terrível do que uma guerra. Fazer de conta que ela nunca existiu.Uma hora com os Ex-Alferes Milicianos Raúl dos Reis Ramalho e Joaquim francisco Couceiro Ferreira. Os testemunhos de dois dos homens que fizeram parte dos combatentes da guerra do Ultramar de 1961-1975.
Cresceram juntos e juntos escolhiam namoradas. Enviados separadamente para diferentes batalhões de combate, reencontraram-se após a descolonização. Raúl dos Reis Ramalho, 57 anos, Médico, Estomatologista e Cirurgião Maxilo-Facial, combateu no Chimbete, floresta do Maiombe, no enclave de Cabinda, em Angola. Posteriormente foi colocado em Nambuangongo, no norte de Angola, de 1970 a 1972. Joaquim Francisco Couceiro Ferreira, 57 anos, bancário e Coronel reformado, combateu na companhia de Atiradores de Artilharia 2718, em Moçambique. Na hora da conversa, relembraram as histórias que cada um guarda e não esquece, as experiências de dois homens rodeados de arame farpado e mata cerrada a cuja beleza as vicissitudes da guerra os tornava indiferentes.
Entre 1961 e 1975 centenas de milhares de jovens portugueses foram embarcados para os territórios da Guiné, Angola e Moçambique. Naquela altura, Reis Ramalho tinha 20 anos e era um idealista. Quando foi mobilizado para o Ultramar encarou a situação com naturalidade. Sentia ser o meu dever defender os interesses dos portugueses e de Portugal em África, afirma com convicção. Couceiro Ferreira sentia de maneira diferente. Na impossibilidade de evitar a mobilização só restava assumir a presença na guerra, na esperança do regresso a salvo.
Na mata verde-cinzenta por onde andaram, uns mataram e viram morrer. A guerra é isto, nada faz sentido. Reis Ramalho comenta é uma vida que se interrompe e continua, com o assentimento de Couceiro que o ouvia em silêncio, que a convivência diária com a morte lhes trazia um vazio enorme. A dor é grande, concordam ambos.
Uma das muitas ameaças durante a guerra eram as bombas colocadas e comandadas à distância. E o medo da incapacidade física era grande, exclamam quase em uníssono. Eram tomadas as precauções necessárias nos trilhos em que picavam o terreno minuciosamente e faziam avançar o carro, preparado como rebenta-minas. Todos os cuidados eram poucos. Uma mina anti-pessoal chegou a rebentar nas mãos de Couceiro Ferreira, o que lhe custou a interrupção do tempo de guerra e a cegueira do olho esquerdo. Mas, interrompe Couceiro Ferreira, éramos muito jovens, com a força mental capaz de enfrentar os maiores desafios. No entanto, nem todos tinham a mesma capacidade de superação, a mesma força, e as provações às quais eram constantemente sujeitos, faziam-nos ir vivendo permanente em extrema ansiedade. Muitos tiveram que recorrer a apoio psiquiátrico, acusa.
Durante o tempo em que combateram e o que mais os chocou, foi a frieza com que eram assumidas algumas atitudes, impensáveis noutras circunstâncias, comentam. Surge a pergunta de que se conheceriam algum caso de um combatente que tenha violado uma mulher nativa. A resposta é curta e esclarecedora Sim, confessa Couceiro Ferreira.
Estima-se que cerca de 35 mil veteranos reclamem a efectivação da contagem do tempo de serviço no Ultramar para efeitos de cálculos das pensões de reforma, a aposentação aos 55 anos, a criação da Rede Nacional de apoio aos ex-militares afectados por stress pós-traumático de guerra e medicamentos gratuitos nos hospitais militares. Foi lhes perguntado se estariam ou não de acordo com esta reclamação, e ouviram-se alto as respostas sem a mínima hesitação Totalmente a favor e A favor, claro. Está provado que os homens que estiveram no Ultramar ou noutro cenário de guerra têm em média menos dez anos de vida em relação a um indivíduo que nunca foi submetido a tal provação, segue Reis Ramalho e observa, com pesar, o stress pós-traumático de guerra é uma realidade. Couceiro Ferreia acrescenta, anuindo, foi catalogado como doença recentemente e definitivamente, pelos americanos na sequência da guerra do Vietname, informa.
No monumento aos Combatentes do Ultramar, na guerra de 1961 a 1975 não estão gravados os nomes dos que morreram em combate. Dois amigos, opiniões divergentes. Ramalho considera que a situação do soldado anónimo em nada desmerece os que padeceram durante a guerra. Muitos militares que não morreram também o mereceriam, afirma, e deixa ainda uma pergunta no ar Quantos inválidos físicos, quantos não já se suicidaram pelo que não conseguiram esquecer, e todos os outros que voltaram da guerra depois de terem lutado por Portugal? Também estes deveriam ter, na sua opinião, e então, o seu nome gravado no monumento. Couceiro Ferreira aproveita o espaço para censurar Só existe uma coisa mais terrível do que uma guerra: fazer de conta que ela nunca existiu.
Cada momento vivido fora das operações era aproveitado na tentativa de esquecer o ambiente hostil em que viviam. Com o intuito de abafar a ansiedade que as situações de combate provocavam, jogavam futebol, cartas, conversavam. Tentavam alhear-se, ainda que por breves momentos, da guerra.
Entre risos e olhares divertidos, agora diferentes, comandados pela sucessão de lembranças, ambos sustentam que imensos episódios curiosos e divertidos aconteciam. Couceiro Ferreira recorda um em particular: Os médicos que faziam serviço nas companhias não tinham preparação operacional. Desta forma, era fácil enganá-los. Um dia, dentro do aquartelamento e após o almoço, simulamos estar a preparar granadas para uma operação e distraídamente deixamos cair uma, pronta a rebentar, no colo do médico. Foi vê-lo aos berros, tentando proteger-se atrás dum móvel do eminente rebentamento. Como se o móvel o pudesse proteger!, abana a cabeça reprovando a ingenuidade do médico. Claro que a granada estava desactivada, observa entre risos.
Aquando perguntado se recebera alguma condecoração, Couceiro responde Assumi sempre as atitudes que julguei necessárias à defesa da integridade dos homens que me acompanhavam e acrescenta que nunca tive preocupações desse tipo. Após uma pausa, talvez passando em revista os quase dois anos de comissão cumpridos, sublinha Não fiz mais do que aquilo que eles de mim esperavam.
Tempos de angústia e dor. Consternação. Incerteza. Provação atrás de provação. Sem tempo para se ter medo. Saudade e raiva. A guerra é isto, nada faz sentido, conclui Reis Ramalho. Começa com disparos e acaba com as lágrimas de um soldado.
10.11.2005
Nos somos as escolhas que fazemos.
Oico isto na minha mente muitas vezes. E escolho viver, a esconder-me. Escolho arriscar, a ficar-me. Escolho sofrer, a nao amar. Escolho uma tela colorida de frases que me magoaram e me fizeram chorar. Escolho uma parede amarela que me conforta quando penso no teu amor. Escolho um céu bem escuro porque me sinto só. Escolho um mar gelado que contemplo sem ti. Escolho viver, a esconder-me. Escrevo que me escapo de ti, nos textos que me prendem a ti. Falo em alguém sem dizer o teu nome, porque o oico sempre dentro de mim. Um amor tao grande que nao cabe em mim. E que nao queres para ti. Nos somos as escolhas que fazemos. Escolho o amor. Escolho o medo. Escolho a inseguranca. Escolho a felicidade. Escolho a intemperanca. Escolho a partilha. Escolho sofrer, a esconder-me.Alfama - o principio de um conto meu...
Conhecemo-nos nas ruas de Alfama, o bairro mais antigo deste Portugal pequeno. Mulher de pequenos pormenores e grandes sorrisos, com uns cabelos tao negros quanto a noite sem lua, e uns labios desenhadamente avermelhados. Todos os sabados pelo fim da tarde ela subia ao mais alto ponto da cidade para ver o mar. E eu acompanhava-a. Soh para a ver. A ela. Ela que dizia que nunca sairia de Portugal. Os sons e os cheiros de Lisboa sentiam-se em Alfama. Nas ruas estreitas escondiam-se tesouros e nas escadarias Lisboa cansava-se. A morena descia a peh por estas ruas e escadas estreitas e eu acompanhava-a ao ruido dos mercados e das tabernas pelas pitorescas ruas com fachadas descoloridas. Ouvia-se de tudo nesta Alfama confusa. Em cada esquina risos, gargalhadas, sinos, conversas fiadas, fados, desgarradas. Ouvia-se a voz de Alfama. Ouvia a voz da menina de brincos de perola logo muito cedo, quando ah janela gritava por mim. As nossas casas quase se tocavam, nestas ruas tao estreitas. Era possivel tocar nos telhados atraves das janelas rendadas e dos estendais de roupa, onde enxugahmos tantas vezes a nossa vida. Quando cahia a noite, Alfama cheirava a sardinhas assadas. Os cheiros misturavam-se com as roupas estendidas nas varandas, e as marcas dos tempos, dos amores e desamores, perpetuam-se de parede em parede. Alfama cheira a historia, a estorias, a saudade e a fado. Lembra-me a rapariga de cabelos sempre soltos e rebeldes, escuros como os seus olhos. Sempre lhe disse que escreveria sobre nohs. E tambem lhe prometi que nunca diria o seu nome. Cinco letras que tanto me agradava escrever em cadernos em branco ou em folhas soltas, repetitivamente. Hoje vivo a subir e a descer estas escadas, onde o passado se mistura com o presente. Procuro-a em toda a parte. Nos restaurantes minusculos onde se deliciava com sardinhas assadas. Nas escadinhas das ruelas ingremes onde corria descalca segurando as saias de cores sempre garridas. Procuro-a nos becos mais escondidos onde trocavamos beijos timidos e falavamos timidos do que acontecia dentro de nohs. Falavamos do futuro. E agora que ele chegou saudo saudoso o passado. Alfama continua igual. Mantem-se intacta. Como se o tempo tivesse parado, neste pedacinho de Portugal. Como se canta por lah, Alfama nao envelhece, e hoje parece mais nova ainda. Iluminou a janela, reparem nela, como estah linda. Vestiu a blusa clarinha, a da vizinha eh mais modesta, e pos a saia garrida, que eh soh vestida em dias de festa.Ela saiu de Portugal. E com ela levou os meus dias de festa. Eu fiquei. E nohs ficahmos assim. Separados e sempre com o outro no pensamento. Ate um dia... ate que eu encontre alguem que me preencha como ela me preenchia, alguem que me atraia, nao porque me faz lembrar o sorriso de Alfama, nao por ter o mesmo trejeito na boca, nao porque danca ou fala da mesma maneira, mas porque me preenche e me ama... Uma outra pessoa. Meu Deus, a quem tento eu enganar? Ela nunca vai sair de mim. Vou continuar a procura-la nas mesmas ruas, em horas diferentes.