10.11.2005

Alfama - o principio de um conto meu...

Conhecemo-nos nas ruas de Alfama, o bairro mais antigo deste Portugal pequeno. Mulher de pequenos pormenores e grandes sorrisos, com uns cabelos tao negros quanto a noite sem lua, e uns labios desenhadamente avermelhados. Todos os sabados pelo fim da tarde ela subia ao mais alto ponto da cidade para ver o mar. E eu acompanhava-a. Soh para a ver. A ela. Ela que dizia que nunca sairia de Portugal. Os sons e os cheiros de Lisboa sentiam-se em Alfama. Nas ruas estreitas escondiam-se tesouros e nas escadarias Lisboa cansava-se. A morena descia a peh por estas ruas e escadas estreitas e eu acompanhava-a ao ruido dos mercados e das tabernas pelas pitorescas ruas com fachadas descoloridas. Ouvia-se de tudo nesta Alfama confusa. Em cada esquina risos, gargalhadas, sinos, conversas fiadas, fados, desgarradas. Ouvia-se a voz de Alfama. Ouvia a voz da menina de brincos de perola logo muito cedo, quando ah janela gritava por mim. As nossas casas quase se tocavam, nestas ruas tao estreitas. Era possivel tocar nos telhados atraves das janelas rendadas e dos estendais de roupa, onde enxugahmos tantas vezes a nossa vida. Quando cahia a noite, Alfama cheirava a sardinhas assadas. Os cheiros misturavam-se com as roupas estendidas nas varandas, e as marcas dos tempos, dos amores e desamores, perpetuam-se de parede em parede. Alfama cheira a historia, a estorias, a saudade e a fado. Lembra-me a rapariga de cabelos sempre soltos e rebeldes, escuros como os seus olhos. Sempre lhe disse que escreveria sobre nohs. E tambem lhe prometi que nunca diria o seu nome. Cinco letras que tanto me agradava escrever em cadernos em branco ou em folhas soltas, repetitivamente. Hoje vivo a subir e a descer estas escadas, onde o passado se mistura com o presente. Procuro-a em toda a parte. Nos restaurantes minusculos onde se deliciava com sardinhas assadas. Nas escadinhas das ruelas ingremes onde corria descalca segurando as saias de cores sempre garridas. Procuro-a nos becos mais escondidos onde trocavamos beijos timidos e falavamos timidos do que acontecia dentro de nohs. Falavamos do futuro. E agora que ele chegou saudo saudoso o passado. Alfama continua igual. Mantem-se intacta. Como se o tempo tivesse parado, neste pedacinho de Portugal. Como se canta por lah, Alfama nao envelhece, e hoje parece mais nova ainda. Iluminou a janela, reparem nela, como estah linda. Vestiu a blusa clarinha, a da vizinha eh mais modesta, e pos a saia garrida, que eh soh vestida em dias de festa.
Ela saiu de Portugal. E com ela levou os meus dias de festa. Eu fiquei. E nohs ficahmos assim. Separados e sempre com o outro no pensamento. Ate um dia... ate que eu encontre alguem que me preencha como ela me preenchia, alguem que me atraia, nao porque me faz lembrar o sorriso de Alfama, nao por ter o mesmo trejeito na boca, nao porque danca ou fala da mesma maneira, mas porque me preenche e me ama... Uma outra pessoa. Meu Deus, a quem tento eu enganar? Ela nunca vai sair de mim. Vou continuar a procura-la nas mesmas ruas, em horas diferentes.