10.13.2005

Pela Paz

Proclama-se perante o mundo que a religião não deve nunca tornar-se motivo de ou pretexto para a violência, para o conflito, para o ódio. Concordo. Se as religiões se reforçassem mutuamente na perseguição da verdade e do bem, poderíamos passar uma borracha na frase Um só Deus para tantos ódios. Mas os papas desencadearam as cruzadas contra os muçulmanos e a Inquisição contra os hereges. As nações cristãs perseguiram o povo deicida (os judeus) e converteram os povos através da política de missionários e canhoneiras, uma mistura de força armada e Espírito Santo. No entanto, não devemos, nem podemos, acusar os monoteístas de serem os únicos responsáveis pela guerra santa. As religiões politeístas, como o Hindu, que conseguiu criar o pacifista Gandhi e o brâmane que o assassinou, e como o Xintoísmo do Estado japonês, que nos apresentou os kamikazes, também apenas elas não podem ser responsabilizadas por todos os males da humanidade. Nenhuma religião tem o segredo da Paz, nem o monopólio do mal.
Acredito que a única forma de lutar contra as guerras, alcunhadas de santas, está na educação do sentido de bem da humanidade. O importante seria alcançar a tolerância quanto às crenças alheias e o facto de cada religioso deve aceitar como os outros diferem de si. O que é, de resto, uma forma decisiva de as respeitar. As religiões concedem os recursos, os objectivos para uma vida válida, frutuosa e bem sucedida, mas não conseguem, nem é seu dever, garantir que as pessoas levem essa mesma vida. Cada um escolhe o seu credo, a sua vida. Mas o pior, e mais inconcebível ainda, é as pessoas usarem as religiões, em vez de delas desfrutarem. E usam-nas como armas para trazerem para si o poder prejudicando os outros. Olhando mais de perto, as religiões são um terreno fértil tanto para se crescer como indivíduo, como para o abuso de poder e para a subjugação do outro.
As pessoas religiosas deviam ser um recurso para o combate aos males que nos ameaçam. Então, porquê que isso não se passa? Em parte, porque cada religião tem os seus interesses próprios. São profundamente diferentes as narrativas que fazem do Universo, da natureza humana, dos objectivos de vida, de Deus ou de um poder superior, dos caminhos que levam à salvação, ou à perdição. Porém, a Regra de Ouro, muitas vezes esquecida até por quem as pratica, é enunciada no texto fundador de cada religião. Trata-se de uma declaração, resumida, do requisito fundamental para o comportamento humano: Tudo o que vós quereís que os homens vos façam, fazeí-lho também vós. Sendo esta uma obrigação crucial e comum a todas as religiões, porque andam estas implicadas nos piores conflitos do nosso mundo? E por que são alguns religiosos a contradição viva do que pregam ou dizem fazer?
Baseando-se na chamada Regra de Ouro, as pessoas religiosas podiam se encorajar mutuamente a atingir o melhor que as suas diferentes tradições exigem de si. Juntarem-se se no combate aos males que oprimem e que acabarão por nos destruir. Não poderão as religiões trabalhar em conjunto? Sei, no entanto, que mais de três quartos da população mundial acha que pertence a uma religião, por pouco ou nada que faça em relação a ela.