4.11.2006

Capitulo 3 Cabinda, Angola

Passei a primeira noite sem conseguir dormir. Cabinda exalava um som de fundo vindo da floresta do Maiombe e aos fins-de-semana o batuque nas senzalas inundava a cidade. As vozes pareciam atravessar o tempo, atrasando-se, adiantando-se a ele. Ao redor das fogueiras, as festas alimentavam os indígenas noites e noites inteiras. Na cidade, e sem conseguir conciliar o sono, levantei-me da cama pequena de madeira que me tinha sido oferecida com todo o carinho pela Família Amaro Pereira. O quarto era grande, e amplo, contrastando com a cama. Abri a janela e a minha boca abriu-se ao ver os poços de petróleo distribuídos pelo alto mar, qual archotes espalhados. A imagem do petróleo extraído na teia de plataformas junto à costa ainda é totalmente clara para mim. Podia ver pequenas fogueiras ao longe, em cima do mar, como que decorando e iluminando essa massa de água no escuro.
Acordei em Cabinda. Entre o mato e o mar. Tinha 17 anos e cabelos compridos. Andava descalça pela cidade, ou com apenas umas sandálias que tinha trazido comigo do Lobito. No Lobito apanhava os machimbombos, os autocarros comuns, quando ia para a escola ou para a praia, mas frequentemente preferia os bulamas, autocarros mais usados entre os indígenas porque se podia andar descalço. Assim que saía de casa para ir para a escola, tirava as sandálias e colocava-as ao pescoço. Nascida em Nova Lisboa, no ano de 1953, eu tinha tudo para ser confundida com os nativos de Angola. A única coisa que me distinguia era a cor da minha pele. Apesar de queimada pelo sol.
A cidade de Cabinda recebeu-me de braços abertos com os seus caminhos largos, passeios limpos e brancos, com as suas casas semeadas como calhava por entre a verdura, as árvores que ofereciam sombra, com os cheiros que emanavam da floresta e que me diziam que estava em casa, e com as praias e mar que me deliciavam. Nas ruas, as indígenas vestiam-se com os panos coloridos de Cabinda e do Congo. Eu vestia-me com bermudas e camisas atadas à cintura. Soltava ou prendia o cabelo com um lápis. E caminhava ao ritmo das músicas cantadas nas senzalas que tinha ouvido na noite anterior.

9 Comments:

At segunda-feira, 17 abril, 2006, Blogger Unknown said...

Um dia conheci uma pessoa que viveu em Moçambique durante uns tempos. Hoje calhou-me a mim.
A descrição do som em africa é algo fantastico, chega a transportar-nos para outros sitios, outras vidas que não a nossa. Ela disse-me que um dia, quando ouvia ao longe o som dos batuques, ficou enfeitiçada. Saiu de casa e seguiu o som, cada vez mais longe foi afastando-se cada vez mais para o mato. Acordou depois, perto de uma clareira sem se lembrar de nada, e sem nunca ter visto quem tocada os batuques que provocaram nela aquele efeito.

 
At segunda-feira, 17 abril, 2006, Blogger Z said...

Quem és tu?? :)

 
At segunda-feira, 17 abril, 2006, Blogger Unknown said...

não me conheces, nem eu te conheço.
Um dia encontrei este blog.
gosto de pessoas que escrevem.
nem me importa se bem se mal.também gosto de escrever e não espero pelas críticas. Um dia hei-de as receber.
também gosto de ler.
gostei dos primeiros textos teus que li, e apostei em seguir o fio da tua escrita.
;)

 
At segunda-feira, 17 abril, 2006, Blogger Unknown said...

também sou especialista em não reler o que escrevo e por isso cometo algumas gaffes gravissimas a escrever. Mas o que fazer? quando releio apetece-me sempre apagar e escrever de novo!

 
At terça-feira, 18 abril, 2006, Blogger Z said...

Eu também. Se escrevo em papel, o que escrevo não sobrevive. Daí a ideia de um blog, que não posso amachucar.
O delete sempre me pareceu demasiado agressivo. :)

 
At terça-feira, 18 abril, 2006, Blogger Unknown said...

e mesmo com o blog, quantas vezes deixo textos por terminar? ainda hoje, comecei vezes sem conta a escrever, repeti palavras, apaguei palavras, fiz sign out sem salvar...

 
At sábado, 22 abril, 2006, Blogger Z said...

Seja bem vindo ao meu blog, Ponto de Interrogacao. :)
Beijinho.

 
At quinta-feira, 19 fevereiro, 2009, Anonymous Anónimo said...

Engraçada a forma como descreves Cabinda, é assim mesmo, é a melhor cidade de Angola. É paixão, é calor, é som, é cheiro...

 
At sexta-feira, 20 maio, 2011, Anonymous image consultants said...

This is very nice and informative article.The author is very good.I really found the good stuff here.

 

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