2.26.2005

Sorrir

O periodo mais difícil da minha curta/longa (dependendo do ponto de vista) vida foi este, quando entrei de urgência no Hospital depois de quatro dias com dores na zona do ventre, que entretanto já se tinham alargado para toda a barriga. Ainda dei um concerto em Oeiras, se bem que metade do tempo passei na cadeira porque cantar, cantava… levantar-me é que já se tornava difícil. O concerto correu muito bem, à parte dos dois minutos que fiz de intervalo nas duas horas que tocámos, para me poder deitar sem que ninguém visse e para que as dores diminuíssem. Valeram-me os dois nimeds do dia e os dois ben-u-rons da noite. O concerto foi dia 11, e dia 13 por volta da uma da tarde fui de urgência para o hospital. A minha barriga já ultrapassava em larga escala o que podemos considerar o normal, mesmo depois de uma boa picanha e sobremesa bem servida (nunca perdi o apetite).
Chegamos e passaram-se horas, de exames em exames, análises em análises, esperas aqui, esperas aqui. Finalmente deitaram-me numa maca, depois de me terem mandado tirar a roupa, até as meias... As dores já eram fortes, tanto que qualquer movimento as agravavam. Fui transportada (martirizada) de maca para muitos sítios e em todos os lugares que me paravam sentia-me sempre a mais. Ou estava à frente de uma porta, ou na passagem, ou queriam mudar outro paciente de um lugar, e era um engarrafamento de macas. Os enfermeiros que conduziam a minha maca, que foram mais de quatro só um é que devia ter podido tirar a carta. Os outros atiravam-me para os elevadores e erravam a entrada. Comecei a perceber que não ia ser fácil. Comecei a perceber que para além das dores que eram normais, advindas da doença (e que na altura não sabia qual era e isso já era suficiente para me preocupar), para além dessas, ia ter muitas mais, causadas pela falta de cuidado de alguns enfermeiros e por quase todas as auxiliares. A parte mais fácil dos cinco dias que estive internada foi o antes e o durante a operação. Houve vários diagnósticos. Parecia haver hemorragia interna. Parecia ser apendicite aguda. Parecia ser um problema no ovário. Até uma gravidez fora do útero foi posta em hipótese. De todas, a apendicite era a mais apetecível (até são parecidas as palavras). Dentro do mal o menos. Senti-o na pele, literalmente. Depois de muita espera, de muito sangue tirado para análise, resolveram operar-me de urgência. Decidiram abrir-me a barriga nem em cima do apêndice, nem em cima do ovário, e sim a meio caminho dos dois para poderem tratar o que fosse preciso. Avisaram-me que o pós-operatório seria muito complicado, porque iriam mexer, cortar, macerar muito os músculos, tudo. Está bem. Quero é ficar boa. Confiei. E confiei bem. Grandes médicos, e grande equipa. Correu tudo bem. Um quisto tinha rebentado dentro do ovário direito e causado ruptura do ovário e a tal hemorragia que acontecia há já quatro dias. Depois da operação muita coisa podia dar errado. A hemorragia podia não estancar. Podia haver complicações de vária ordem. Aproveitaram e retiraram também o apêndice, porque não estava ali a fazer nada e tinha ar de pouco simpático. Abrirem-me de novo para tirar o apêndice é que não! Dois em um. Como um shampoo que também é amaciador. Assim foi. Foi pelo melhor. Estive três dias em risco de levar uma transfusão de sangue, porque perdi demasiado. O médico preferiu esperar que eu recuperasse sozinha, ainda bem. Antes assim. Durante a operação, como foi anestesia geral, ligaram-me a todo o tipo de aparelhos. Para respirar, para controlar a pulsação, algalearam-me (um tubo na uretra, só de pensar dói-me de novo), entre outras coisas necessárias. Entrei na sala de operações no dia 13 às 9.13 da noite. Saí pouco antes da meia noite. Lembro-me de ter acordado antes de eles estarem à espera, ou a anestesia não era assim tão forte, ou eu sou forte como um cavalo... (um cavalo é um animal fixe, corre, coisa que deixei de fazer por largos meses). A minha realidade estava um pouco, ou muito turva, e confundia a realidade com o sonho. Lembro-me de ter muitas dores, de me remexer violentamente na maca, de me sentar bruscamente na maca e tentar libertar-me de não sei o quê que me prendia, talvez os tubos dos soros, não sei. Lembro-me de agarrar a mão do médico ou de alguém que não tinha cara, só me lembro da bata azul (bloco operatório), de lhe agarrar a mão com força e dizer a gritar que doía muito. Eu aguento muito bem as dores, estava descontrolada nessa altura porque me sentia a sonhar. O engraçado é que o meu pai (que também é médico) também estava de bata (mas branca) perto desse médico (de) azul, mas eu não me lembro dele lá nessa altura. Dias depois ele comentou comigo, eu sempre estive quieta na maca, tirando uma altura que levantei paulatinamente a mão que o médico agarrou e realmente eu disse: dói muito... e o outro médico deu-me mais anestesia (pela veia) e eu voltei a dormir. A minha realidade estava deturpada. Ou será que era o meu espírito a esquivar-se das dores que sentia no corpo? Dormi. Voltei a acordar eram 5.34 minutos (vi-o no relógio grande e branco da parede do S.O., para onde vão os doentes acabados de operar, o recobro, onde supostamente são acompanhados e vigiados as 24 horas do dia). Estava numa sala grande branca-suja (já fora branca-branca), num canto, e a minha cama tinha cortinas à volta. Sentia a presença de outros doentes, mas não os via. Só os ouvia quando gritavam de dores, ou gemiam. Ainda hoje me arrepio quando me lembro. Se antes eu já era sensível às dores dos outros, agora... agora sinto-as. Estava ainda ligada a uma máquina, que eu chamo máquina da vida, porque é onde aparece aquela linha assustadora estática e contínua quando alguma coisa corre mal... e porque não sei o nome. As dores eram demasiadas, apesar dos soros e dos medicamentos que entravam pelas minhas duas veias, sobrecarregadas. Não conseguia esticar as pernas, porque simplesmente as pernas não conseguiam estender-se. Não conseguia falar alto, porque me faltavam as forças, o ar, e como tinha estado entubada até à traqueia, tornava-se impossível falar. Conseguia apenas sussurrar ou mexer os lábios de maneira a que algum som saísse da minha boca. Mas não tinha ninguém que me ouvisse. Era de noite, e as enfermeiras estavam ocupadas (as boas enfermeiras) e as outras, estavam mais interessadas em conciliar o sono. O delas. Não tive coragem de espreitar levantando o lençol da cama, a única coisa que cobria o meu corpo nú, para ver onde tinham feito a incisão, e para poder vislumbrar o problema que tinha tido. Se fosse gravidez fora do útero, ter-me-iam tirado a trompa direita (o médico alertou-me para o caso) e a incisão seria mais acima. Se fosse apendicite (queria tanto que fosse só isso) a incisão seria mais abaixo. Não olhei. Também não sei se conseguiria porque o meu braço direito estava cheio de tubos. As minhas pernas estavam a ser apoiadas pelos calcanhares, porque tinha de fazer força neles para as manter daquela maneira, para que não caíssem, para que não relaxassem, as dores com as pernas esticadas seriam ainda mais fortes. Então chamei uma enfermeira, a custo. Nada... E fiquei sem ar, cansei-me. Não obtive resposta. Passou-se meia hora. Chamei-a de novo… e ouvi Diga com um tom de Mas o que é que quer, deixe-me dormir!, eu insisti e ela com uma voz ensonada repetiu Diga… Desisti. Não me deve ter ouvido. Ou não quis ouvir. Também não se levantou para ver se eu estava ou não a morrer. Não estava, foi a minha sorte. Fiquei sem almofada para colocar debaixo dos joelhos. Fiquei com os calcanhares queimados.
Mas isto não foi nada, comparado com as outras noites. Que não vou falar. Foram negligentes. Comigo e com todos os outros. Nem me quero lembrar das outras noites. De tocar a campaínha porque se esqueciam de trocar o soro que tinha acabado, ou o medicamento. Esqueciam-se das horas, e eu estava até quatro horas com ar a entrar na veia (mais dores que seriam desnecessárias) porque quando acaba o soro ou o medicamento tem de se fechar a passagem do líquido. Mas eu não chegava lá, não me conseguia levantar. Tocava e ninguém aparecia. Mas o meu problema não era grave. Imagino os doentes de idade avançada, em fases complicadas da doença, a precisarem de ajuda, e a não receberem. Enfermagem é a profissão de cuidar. Ou deveria ser.
Mas este foi apenas o primeiro vislumbre da humanidade (que humanidade?) da maioria das enfermeiras e de todas as auxiliares. Mas o que tive não é nada comparado com os problemas que infelizmente existem por aí. O amor, o carinho, o sentirmo-nos amados é um poderoso estimulante do sistema imunitário. Na sociedade em que vivemos, as pessoas passam pelas outras sem realmente as verem. Estamos fechados no nosso próprio corpo, centrados e completamente extasiados com o nosso umbigo. Ninguém tem tempo para perceber o que significa uma das frases mais ditas Então, tudo bem? Já ninguém o diz a querer realmente saber como o outro se sente. Não significa mais que um copo vazio, ou uma carruagem vazia. É vazio. Nos hospitais, tal como na vida, as pessoas gostam de se sentir acarinhadas, apoiadas, preparadas, informadas. Amparadas. É preciso humanizar os hospitais. Mas nem todas as pessoas que são enfermeiras deveriam sê-lo. Muitas deviam ter ido para a mecânica. Tratar de carros. Porque os carros não se preocupam, não sentem solidão, não se sentem desprotegidos. Os carros não precisam de atenção, não sentem dores. Não sofrem. As pessoas sofrem e as enfermeiras deviam fazer de tudo para tentar minimizar o sofrimento (físico mas também o psicológico). Cuidar. É de consenso geral que o negativismo se alimenta a si próprio, assim como o positivismo. Um pensamento positivo atrai algo positivo. A afectividade é essencial na recuperação de um doente. Falar que o doente tal está praticamente nas últimas à frente desse pobre coitado é terrível. Uma enfermeira deve ser competente e humana. Quando mais seguro e amparado estiver um doente mais depressa se recuperará. E melhor. Porque o psíquico também adoece, também se alimenta. Também emagrece. Porque o psíquico pode ajudar a recuperar, mas também pode fazer-nos desistir. E isso pode ser a diferença entre a vida e a morte. Sorrir mais, significa mais sorrisos para os que sorriem e para os que recebem esse sorriso. Um sorriso para vocês. Beijinho.

Viajar só

Num escritório de cartas mortas, vi apenas o sofrimento das cartas.
Apaguei os destinatários e dei-lhes vida,
Numa ingenuidade de uma realização imediata.
Sinto-me uma alma nua,
Que caminha a passos curtos e despreocupados na estrada recta,
Sem nenhum objectivo.
Caminho num mundo sem pai,
Onde os originais mortos são os meus heróis,
E deixo para trás um mundo de cópias.
Quero viajar, só viajar.
Passar sem outra forma de sociedade.
A não ser quando páro, e me reconheço na estrada.

2.24.2005

Legendas trocadas

Tenho os nossos momentos descritos numa carta guardada. Tenho os teus argumentos assentes em legendas trocadas. Tenho os meus sentimentos guardados. Numa caixa de sapatos. Tenho os teus beijos soprados, numa cama espalhados.
Memórias perdidas.
Fazias mais parte de mim do que qualquer outra coisa minha.
Até um dia. Se estivermos na mesma rua, no mesmo dia.

2.23.2005

Informação espectáculo?

A informação está crivada de alguns vícios que a tornam pouco consistente, falaciosa e especulativa. Um deles, o que mistura 3 ingredientes: sangue, sexo e dinheiro. Esta fórmula faz subir as audiências, e isso é que é preciso.
A estes ingredientes, juntam-se ainda o aparentemente inesperado, o falso exclusivo e o surpreendente. Um exemplo de como a antecipação sem confirmação pode resultar em cenas ridículas, foi o caso de Angel Pui Peng, a cidadã portuguesa, de origem chinesa, condenada à morte. Num jornal foi anunciada a execução de Pui Peng, emprestando uma emoção especial ao acontecimento com a adição de alguns pormenores sórdidos dos últimos minutos de vida da condenada, umas quantas frases comovidas, outros tantos arrependimentos. No dia seguinte, soube-se que a aplicação da pena tinha sido adiada.
Mais um vício?
A ilusão do directo. A maximização da emoção é transmitida via informação em tempo real. Se ao directo se associar o imprevisto, então a informação-espectáculo atinge o seu ponto mais alto. Podemos falar também nos efeitos perversos do julgamento prévio e que é, talvez, o efeito mais perverso da informação-espectáculo. O querer mostrar mais, leva aos directos e às simulações, sem bases que os suportem. Sendo a informação mais rápida que a Justiça, o telespectador é induzido a fazer o seu próprio juízo, condicionando à partida o próprio julgamento. Um bombeiro voluntário passa a pirómano sem ir a julgamento.
Audiências! Audiências!
A incansável procura de factos faz com que alguma informação se assemelhe, perigosamente, a uma farsa. As inovações tecnológicas permitem que um noticiário seja uma volta ao mundo em 30 minutos, deambulando as imagens entre desgraças e cadáveres, entre escândalos e catástrofes. Sim, porque a rápida convalescença de uma menina não interessa. Interessaria se ela tivesse morrido a meio da operação. Negligência dos médicos. Isso sim, é notícia. Polémicas! Audiências! A informação-espectáculo vence assim a informação-educação, fazendo com que, apesar dos satélites, e talvez por culpa deles, o telespectador nada ganhe com as inovações tecnológicas ao nível da informação.

Este blog nasceu em Lisboa

Se fores a este blog no mínimo duas vezes por semana, e falares deste blog pelo menos a 10 pessoas, hoje à meia noite e quinze vais ter uma boa surpresa, a tua vida amorosa será perfeita, terás muito bom sexo até aos 103 anos, e serás sempre feliz. Caso contrário, algo de terrível te acontecerá em menos de 2 dias.

A história da Barbie

A Barbie antes de ser conhecida, era prostituta. O Ken, era o manager dela, e como eram relativamente chegados, ela tirou-o também dessa vida.

Vivemos na era do cinzento

Eram 20:13. Estava a jantar e a ver o telejornal. Estive particularmente tensa quando falavam de uma doença de um rapazinho, que o incapacitava para a vida toda. E as imagens eram reveladoras. Dei por mim a prender a respiração. Depois disso, outro caso dramático, mais uma doença, mais imagens, mais emoções. E eu sem conseguir respirar ainda. Depois destas duas notícias, a notícia de uma morte de um polícia. E eu suspirei de alívio.
Não que eu seja má, ou que deteste assim tanto a Polícia... Suspirei, relaxei, fiquei menos pesada - e isto é triste ter de admitir - porque já estou habituada a ouvir falar de um que foi morto, de dois que morreram num acidente de carro, de três que foram assassinados. Já estamos tão habituados a que, através dos media, tantas mortes e desaires entrem em nossa casa, que é apenas mais um número.
Estamos indiferentes. E isto é muito grave.

2.21.2005

Sexo

A pedido de várias famílias, desfloro este blog falando-vos de sexo.
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, sexo é o comportamento característico do macho ou da fêmea; o desenvolvimento de funções diferentes nos fenómenos de reprodução; os próprios orgãos reprodutores; conjunto de pessoas que têm morfologia idêntica relativamente ao aparelho sexual (do lat. sexu).
Segundo o mesmo dicionário, que devia ter uma bolinha desta cor no canto superior direito da capa, fêmea é a mulher; qualquer animal do sexo feminino; qualquer peça com orifício, sulco ou concavidade que recebe outra saliente (macho) para o seu complemento, que lhe é introduzida ou encaixada.